13 de mar. de 2011

A Terra Prometida - Parte 3

"Minha cabeça dói." - Ele pensou meio sonolento depois de acordar cheio de lama na cara. Suas pernas já haviam sangrado bastante com o tiro que levou.  Já eram 21h do dia seguinte.

"Eu não sinto minhas pernas." - Pensou denovo com aquela sensação de que dali em diante só iria dar merda.
Estava dentro de um buraco cheio de lama em volta sem a mínima noção de como iria sair dali. O medo tomou conta de seu coração. 
Acordado, sua mente explodiu em pensamentos sobre todo o fluxo de acontecimentos que foram desencadeados por aquele assalto covarde. Pensou primeiramente em que situação de desespero estaria Rafaella.  Seu coração acelerou e ele tentou inutilmente se levantar e se deu conta de que realmente estava paraplégico.

Tentou se arrastar mais pra perto do buraco por onde caiu, na eperança de lavar-se de toda aquela lama em sua cara com a água da chuva.  Seu corpo estava ensangüentado.  Além de toda violência que sofrera antes de cair, ainda sofreu muitas escoriações na queda .  Seu corpo ardia em feridas.  Era insuportável.
O tiro em sua cabeça fazia latejar, mas a própria bala cauterizou o  buraco e o sangramento parou. Era óbvio que para morrer eram questão de horas.

- Cristiano Santiago! Por favor senhora ele tem que estar aí.  - Gritava Rafaella com a recepcionista do IML que pedia gentilmente que ela se acalmasse e esperasse sua vez.
- O senhor é esposo dela? - Perguntou a recepecionista a Renato, irmão de Cristiano.
- Não.  Estamos procurando exatamente por ele.  Desde ontem ele desapareceu e não deu notícias até agora.  Estamos tentando ligar pro celular dele, mas está desligado.
- O senhor já registrou ocorrência no DPO de sua região?
- Já.  Temos o boletim aqui.
- Senhor. Temos um Cristiano Santiago aqui que foi vítima de um assalto. Vocês podem acompanhar esse senhor até a sala onde ele está para reconhecimento.

Rafaella desesperou-se e suas pernas tremiam involuntariamente.  Renato a conduziu até a gaveta onde estava Cristiano.  Rafaella agarrou Renato com força e escondeu seu rosto pois não queria aceitar a perda do marido naquelas circunstâncias.  Ao ver o corpo, Renato desabou em prantos e começou a orar em voz alta e Rafaella começou a chorar junto e aos poucos foi virando o rosto para ver o cadáver.  Seu coração acelerou e ela apertou mais forte ainda Renato, quando percebeu que o motivo das orações eram porque o corpo não era de seu esposo.  Após confirmação de que Cristiano não estava no IML os dois não tinham mais pra onde ir. Wanda estava em casa com Sandra que não parava de chorar nem um minuto gritando pelo pai. A avó a confortou como pode e a convenceu a tomar um calmante para relaxar um pouco o turbilhão em sua mente.

Sandra era uma menina típica para sua idade de 13 anos.  Prostrava-se na frente do computador por horas a fio divertindo-se com suas amigas "on-line".  Ela era apaixonada pelo pai. Torciam pelo mesmo time, gostavam das mesmas músicas.  Uma coisa que não agradava nem um pouco a Rafaella era o fato de Cristiano ser ateu e isso estava influenciando sua filha a acreditar seriamente na inexistência de Deus. Sandra sempre escutava Cristiano usando seus argumentos contra a crença em Deus e ela aprendeu a usá-los a seu favor.  Cristiano por sua vez nunca disse diretamente para Sandra que é ateu, a pedido de Rafaella. Apesar de seu ceticismo, ele sabe que é quase contra a lei não influenciar uma criança a acreditar em Deus.

- Mãe! me ajuda por favor.  Toma conta da Sandra que a gente vai continuar procurando o Cris.
- Mas minha filha... Me perdoe a intromissão, mas você acha que aconteceu exatamente o que com o Cristiano? Se você procura tanto esse homem em todos os lugares pra onde um acidentado poderia ir e ele não consta, você não acha que pode ter acontecido algo diferente de um acidente?
- Tipo o que mãe?
- Não sei minha filha. Sabe como é homem né? Se desaparece e desliga o celular algum motivo tem.
- A senhora acha que ele está na esbórnia até agora e desligou o celular?
- Filha eu só estou...
- Mãe!!! Cala a boca por favor. - Rafaella desabou em prantos esgotada com toda aquela situação.
- Eu vou pedir pra Raquel ficar com a senhora aqui D.Wanda, enquanto a gente entra em contato com o pessoal do escritório dele. - Terminou Renato pegando o telefone para ligar para sua esposa.

Renato era o oposto de Cristiano em sua religiosidade.  Pra ele Deus era tudo e mais ainda um pouco. Casado com Raquel, não tinham filhos. Desde o inicio de suas vidas de casados descobriram que Raquel não poderia ter filhos e certamente não faria nenhum tratamento porque, se Deus a deixou estéril, algum bom motivo tinha.  Renato era daqueles crentes bem ativos.  Cultos aos domingos, pregava um culto ou outro em sua igreja.

Ele era típico. Aquela estória da umbanda ser do capeta, beber cerveja e fumar leva pro inferno. Essas coisas que todos sabemos e evitamos pra não sofrer coisa pior.
Um dia desses ele até falou sobre o terremoto no Haiti.  Renato gostava de falar de Deus para Cristiano testando seu ateísmo sempre que lhe aparecia a oportunidade.
- Você sabia que no Haiti eles praticam o vodu? -  perguntou Renato.
- Sabia.
- Depois as pessoas não sabem por que acontecem essas coisas com elas.
O poder de Deus é demonstrado nessas horas e os incrédulos fecham os olhos pra isso. - Disse Renato já esperando um contra-ataque de Cristiano.

Cristiano inicialmente revidava com muito mais sarcasmo.  Depois de algum tempo nesse embate ele mesmo chegou a conclusão de que tudo aquilo era somente combustível pra novas investidas de seu irmão.

- Eu, na verdade, achei que o terremoto era pelo motivo do Haiti estar em uma zona geologicamente ativa. Inclusive terremotos também acontecem no japão e lá não praticam vodu.
-  O dia de Jesus voltar a terra está próximo e ele somente levará aqueles que o seguem como seus servos.
Tenha a certeza de que Deus reservou para todos os cristãos um lugar ao seu lado na Terra Prometida como está na Bíblia. E certamente esse local estará de portas fechadas pra você, se continuar com essa burrice de ateísmo.
- Quando ele voltar eu faço um lanche pra ele com pão e vinho.  Disse Cristiano pra finalizar como de sempre.

Estando certo ou errado, foi com essa mesma fé que Renato e Raquel fizeram uma oração de mão dadas com  Wanda, Sandra e Rafaella pedindo para que Cristiano estivesse vivo e aos cuidados de Deus onde quer que fosse.

No assalto levaram o seu celular. Poderia ter muito bem caido no chão com o nervosismo dos ladrões.
Essa idéia passou pela cabeça de Cristiano pois ele jurava que havia escutado o som de um celular tocando.
Certamente não era o som de seu celular.
"Minha filha pode ter trocado o toque.  Ela vive mexendo nele"  pensou de novo com aquela euforia de ter achado ouro. No mesmo minuto que pensou em sua filha seus olhos encheram-se de lágrimas.  Lembrou dela lhe abraçando com ternura sempre que chega em casa e de todo amor do mundo que tem por ela.  As imagens de Sandra foram passando por sua cabeça e no meio de todo aquele caos emocional ele sentiu o prazer de pensar em quem mais ama no mundo.

O  tom de celular então aumentou. Ele se contorceu olhando para os lados pois,  pelo barulho, era quase certo de estar no meio da lama ao lado dele.  A chuva só aumentava e  a os poucos foi revelando o chão onde estava Cristiano.  Era metal.  Metal do tipo novinho, como se tivesse sido posto ali um dia antes.  Ele olhou com espanto e ao que a chuva caía mais e mais o metal era exposto.  O tom de celular aumentou mais ainda. Mais.  Mais.  Cessou.  Ao cessar o metal abriu uma lacuna com uma gosma dentro preenchendo todo o fundo e foi inevitável cair.

Cristiano começou a afogar-se e debatia suas mãos sem rumo.  Era o ápice do pavor pois ele não enxergava nada nem um palmo a frente de seu nariz. Suas narinas ardiam no afogamento.  Sua boca e garganta se encheram e  ele então parou.  Estava com os pulmões cheios. A barriga pesou absurdamente.  Parecia que tinha comido um prato cheio de feijoada da boa.

"Estou respirando" - Pensou Cristiano estupefato com sua constatação.  Ele estava imerso em um liquido relativamente denso e respirando.  Não que ele estivesse inspirando e expirando, mas estava satisfeito com o ar dentro dele.  Era uma sensação nova.  Sentir-se "arejado" sem inflar e esvaziar os pulmões.  Aquilo era tenso.  Muito tenso. Ele se deu conta de que estava mais vivo afogado do que estava antes.

De repente o som voltou. Ele ouvia dentro do liquido o mesmo som que o agitou no lado de fora  e dessa vez o mesmo som acendeu o lugar onde ele estava.  Era tudo azul neon. Tentáculos mecânicos surgiram tirando toda sua roupa.  Uma cápsula imergiu no tanque e o enclausurou dentro dela.  na parte de cima  haviam fios e tubos conectados, que aos poucos injetavam mais do liquido.  Na parte de baixo o liquido saia por outrosm tubos completando o fluxo.  Da parte de baixo um  tubo bifurcado em outros doitubos veio  subindo aos poucos e se  aproximou de  sua genitália. sem chance de se esquivar Cristiano teve os dois tubos conectados a ele de uma maneira não muito agradável. Cristiano sentiu então aquele peso todo de seu estômago se transformar em alívio  e ele entendeu que os tubos estava servindo de privada pra ele.

A cápsula se aproximou de um painel com mais luzes e códigos ireconhecíveis e do outro lado uma aparelhagem se agitou  indicando alguma funcionalidade a cumprir. Uma luz verde varreu Cristiano que mesmo não vendo teve todos os seus ossos e orgãos internos scaneados e as informações transferidas para  o painel. Após esse processo, um pó acinzentado foi liberado dentro da cápsula e involuntariamente  Cristiano o ingeriu.

Depois de algumas horas imerso  uma sensação de queimação o incomodava na coluna. O que parecia ser reflexo da queda foi se mostrando um fato bem mais curioso.  A sensação foi aumentando e de uma leve queimação tornou-se uma queimação adicionada a dor incomensurável.  Cristiano se debatia na capsula e sentia aquela dor aumentando e descendo pela coluna.  O que aconteceu de inacreditável foi que a dor e todo o resto continuaram descendo pela coluna e chegaram as pernas que tecnicamente estavam paralisadas.

Quando chegou aos pés a dor parou e ficou somente a queimação que aos poucos também cessou. Cristiano não acreditara naquilo que via  e sentia.  Suas pernas funcionando como se nada tivesse acontecido. No fundo da capsula Cristiano avistou as duas balas que o haviam perfurado sendo descartadas pra dentro do tudo de saída. Alguém ouviu as preces de sua familia.

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