8 de mar. de 2011

A Terra Prometida - Parte 2

A Serra corta um conjunto de favelas dominadas pelo tráfico de drogas.
De vez em quando sai no noticiário um ônibus ou outro sendo incendiado por conta de operações policiais no local.  Nessa noite em particular dois viciados buscavam pela vitima perfeita para que seu desespero por drogas fosse alimentado o mais rápido possível.


Os dois já haviam passado a tarde toda, antes da chuva, na boca de fumo cheirando e fumando tudo que o pouco dinheiro que tinham poderia pagar.  Um deles tinha HIV e pra ele, a certeza da morte já fazia qualquer "viagem" valer a pena.  Eles esperavam o próximo ônibus que fosse em direção ao engarrafamento no outro lado da serra.  Era bem simples e rápido.  Botar a pistola na cara de algum motorista descuidado, voltar pra  favela e colocar tudo pra dentro do nariz.

O  primeiro ônibus passou lotado de gente, mal tinha lugar pra subir.  A porta quase não fechava.  Dentro do carro de Cristiano era um sofrimento a parte. Por um lado ele tinha sorte porque seu condomínio fica logo na descida da Serra, o que lhe alivia do engarrafamento medonho que segue a frente. Por outro lado a falta de grana só lhe deu fôlego pra comprar um Unozinho básico. Numa chuva dessas o vidro embaça bastante e abrir a janela, mesmo na chuva, é a unica solução. O carro era daqueles que nem colava mais imã de tanto remendo com massa. Tudo já estava desgastado nele: corrosões por oxidação, batidas, pintura queimada do sol e coisas do tipo.  Como ele só usava pra trabalhar visitando obras, tinha tudo alí dentro. Papel jogado, doce, barro, resto de comida na quentinha. Batalhava aquele carro.

Outro ônibus passando,.  Dessa vez decidiu parar.  Os meliantes tentaram entrar, mas o motorista, antes de abrir a porta, os reconhecera pois tinham o mau hábito de assaltar ali com uma boa freqüência.
Vida de motorista é meio ingrata nessas horas.  Ele estava fazendo mímica pra mostrar que o carro tinha câmera mas ao mesmo tempo estava com um medo terrível de ser alvo dos bandidos que numa dessas não atentam pra detalhes como câmeras de segurança.

Nessa que entra, mas não pode, hei que buzina Cristiano atras do ônibus querendo passar pois o motorista parou o carro atravessado, impedindo totalmente a passagem.

- Puta que pariu! só me faltava isso. - Bradou Cristiano num ataque de fúria pois a chance do carro morrer era 10/10.  Morreu.  Pra não ficar em vão aquele fato, ele baixou o vidro por completo, colocou a cara pra fora do carro e gritou mais alto ainda com os caras que iam entrar no ônibus.

- Pô meu irmão tá atrasando aí! Ou entra ou sai!
Os caras fizeram sinal para o motorista, que prevendo o inevitável acelerou e tratou de ir embora. Agora eram só eles três.

- Desce do carro pra gente entrar... Desce! - Disse um deles colocando a arma na cabeça de Cristiano que baixou o semblante e abriu a porta.

- Tá com quanto aí? tem Cartão?
- Só de crédito. - Disse Cristiano apavorado.
- Então passa tudo e me dá a carteira que tu vai descer.
O que eles não imaginavam é o que carro não ia pegar porque havia morrido. Cristiano pensou nisso no primeiro segundo, mas como que ele ia dizer aquilo pros caras? Quando ele foi expulso do carro, ouviu  dos ladrões o que já estava em seus planos de prioridades.

- Corre meu irmão. Some daqui. E rápido!

Cristiano correu muito rápido.  Ele sabia que os caras iam ficar muito putos quando o carro não pegasse. Ouviu um tiro pertinho dele.
"Já era" - Pensou.  Na adrenalina, entrou no mato perto de um bar abandonado e se escondeu pra tentar não ser achado. Estava salvo. Ele pensou com o coração acelerado. Curiosamente estava sentindo algo estranho em suas  pernas.  Na certa, tinha se machucado ao entrar naquele matagal.  Quando viu o sangue escorrer ficou assustado.  Ouviu mais disparos. Pegaram ele.

Tomou chutes na boca e tapas na cara.  Tentou levantar quando mandaram, mas percebeu que o lhe feriu não foi o mato. Foi uma bala. A consciência da bala  na perna fez doer ainda mais.

- Cadê o segredo do carro?  Tá querendo me fazer de otário?
- O carro não tem segredo. Ele morreu quando o ônibus parou. - Tentou explicar em vão.
- Tá maluco? Como que tu sai correndo sabendo que o carro não vai pegar?

Tomou mais  dois tiros. Um no rosto perto do ouvido e outro no peito.  Estavam a beira de um barranco enorme.  Perfeito pra finalizar o assunto. Tinhas umas pedras lá embaixo formando um desenho  bem simétrico e no meio, um buraco com muita lama e mato bem alto.  Quando caiu daquela altura toda sentiu a coluna quebrar e a dor na perna parou na hora. Desmaiou.

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